Ela é a música que ninguém toca

Ela parece me vestir
Espalha-se confortavelmente pelo meu desespero
Causa dor
Que vaza sem que eu perceba.

Faria tudo para tê-la aqui.
Faço tudo para tê-la aqui.

Ela é a música que ninguém toca.
Inacessível.

Faço dela um mito em que preciso acreditar.

Não posso deixar que isso cresça em mim.

O nó na garganta engasga.
Me parte ao meio.

Não posso deixar que isso cresça em mim.

Ela não é real.
Não posso torná-la real.
Não consigo torná-la real.

Dez anos longe da Veterinária. Reflexão e celebração.

No dia 1º de Março de 2003 eu pedi demissão do meu emprego como médico veterinário. Este emprego foi minha última atividade nesta profissão.

Tinha em mente algo bem claro: “Não quero mais ser veterinário.” E encerrei o que jamais deveria ter começado.

Ao longo desses dez anos eu fui constantemente perguntado dos por quês de ter largado a profissão:

_ Nunca se formou?
_ A profissão paga pouco?
_ Cê ficou louco?
_ Não gosta mais de animais?
_ Quantos anos da vida você jogou fora?

Escutei críticas severas e outras tantas incrédulas. Mas também ouvi palavras encorajadoras, ainda que poucas.

Oportunidades que pareciam feitas de ouro, de tão indecentes de boas, apareceram na minha frente, inclusive no exterior. Recusei todas e resisti bravamente.

A decisão final foi até fácil de tomar. Difícil foi ter percorrido o caminho desde o vestibular até um ano após a conclusão do mestrado. Foram nove anos de via crucis total. Isto sim foi foda pra caralho sustenido.

Pouquíssimas coisas contribuíram para que eu permanecesse veterinário; já muitas contribuíram para o fim. E a resultante das forças acabou por me levar a este fim.

Não olho para trás com ódio ou com sensação crônica de perda de tempo. Pelo contrário, ter tido uma formação médica tem-me sido útil na vida. Conhecimento e estudo nunca são desperdiçados. Além disso, mais importante que tudo, fiz amizades preciosíssimas durante esta breve passagem. Conheci boas almas que me ajudaram a suportar o peso de se viver uma vida que não se quer viver.

E encontrei o fim, finalmente. Veio depois de ter conseguido o milagre de me afastar de um pai repressor e de ter passado por uma terapia mental nada ortodoxa. O fim estava bem ali na minha porta. Bastava que eu a abrisse, pedisse para entrar e ficar à vontade.

Tive a ajuda de poucas, mas preciosas, pessoas. As poucas em que confiei contar sobre minha vida mais pessoal que a pessoal. Estas pessoas sabiam que eu precisava começar a viver a vida que eu sempre quis, não a vida que tive que construir para agradar um pai ou a um sistema de felicidade pré-estabelecido e falsamente funcional.

Passados 3650 dias da demissão, não houve um, UM dia sequer que eu tenha me arrependido desta decisão.

Depois da demissão entrei num momento de silêncio. Este foi um momento de abertura dos sentidos a novos sentidos na vida.

Me joguei na insossa internet de 2003 (depois das 00:00h porque pagava-se apenas um pulso) e fui ver o que se fazia por aí. Parecia um detento depois de cumprir pena, de tão perdido que estava. Fazer e pensar na mesma coisa durante anos e, durante anos, ter o mesmo horizonte em mente é devastador.

Depois de três meses de silêncio, fazendo nada na vida, a bunda começou a coçar pra me mexer e arranjar algo pra fazer.

E daí não parei mais. Felizmente ela coça até hoje (no sentido figurado, claro).

Dentre todas as atividades que exerci, só não me prostituí, trafiquei, tornei-me desonesto ou malandro acariocado. Muitas portas se abriram e fiz muitas coisas. E ainda faço muitas coisas.

Lembro-me de quando era criança e queria fazer tudo que me desse vontade de fazer e cada coisa que gostava de fazer virava minha profissão num futuro. Afinal, desde tenra idade você precisa ser bovino e imbecil o suficiente para responder àquela infeliz pergunta “O que você quer ser quando crescer?”. Como se para ser algo na vida, você precisasse ser formado em algo e ter uma profissão.

Mas vivendo uma vida bovina, esta situação desconcertante de ser alguém quando crescer faz pleno sentido. Então minha profissão futura era tudo que eu queria fazer. A cada hora eu respondia uma coisa.

Com o tempo isto foi morrendo. Imerso num processo diplomático sócio/familiar exclusivo, fui sendo paulatinamente “direcionado” a ter que escolher uma profissão baseada em alguma disciplina dada na escola.

Lembro-me também que, ao final do 3º ano, eu bem sabia o que queria: trabalhar. Queria saber como era o mundo, o que se fazia por aí, com o que se trabalhava e como se fazia o próprio dinheiro ao invés de mamar numa mesada defasada pelos sucessivos planos econômicos.

_ E aí, rapaz. Já escolheu o curso universitário que vai fazer?
_ Não quero fazer vestibular. Quero trabalhar. Ainda não sei o que quero na vida, preciso trabalhar.
_ Mas em que?
_ Não sei. Vou ver o que tem por aí. Vou experimentar.
_ Não.
_ Por que não?
_ Porque você TEM QUE abraçar uma profissão. TEM QUE passar por uma universidade.
_ Mas eu não quero. Eu quero trabalhar.
_ Você FARÁ uma universidade. Te dou 24h para escolher um curso. Suma da minha frente.

E foi assim que surgiu, através de um processo rápido e infeliz de escolha, a veterinária.

Depois desta edificante conversa ao pé de uma escrivaninha, já em finais do 3º ano/pré-vestibular, a primeira oportunidade de trabalho apareceria: fui chamado para ser modelo/figurante. Uma moça, agente numa empresa de modelos especializada em crianças e adolescentes (e eu tinha 17 anos), me chamou para um teste no Jardim Botânico.

Fui proibido de ir sob forte ameaça.

Esperar é uma virtude, entretanto. O Universo é cíclico e ser modelo/figurante foi a primeira atividade que realizei quando saí da veterinária, dez anos depois desta primeira oportunidade de trabalho.

Nestes dez anos fora da veterinária fiz muita coisa. E não vou parar. Minha vida sempre me pareceu muito curta para fazer apenas uma coisa nela toda. Preciso ser sempre curioso. Preciso ser sempre o Christian-criança que queria ser tudo que parecia ser legal para se fazer na vida.

Não estou sozinho. Tenho pessoas que me apóiam, amigos que tomaram a mesma decisão e já cruzei com relatos parecidos. São poucas pessoas, por enquanto, mas sinto que este número há de crescer. Novas gerações de jovens permanentemente impermanentes estão surgindo. Enquanto o mundo continuar a girar em torno de “Seja vencedor › Seja alguém › Escolha uma profissão › Estude numa universidade › Tenha um emprego”, ainda que isto seja sinônimo de infelicidade, nada parecerá mudar. Mas está mudando. A época das atividades dinossáuricas está chegando ao fim; a época das atividades doravânticas desponta no horizonte.

As pessoas que passaram pela minha vida nestes dez anos me viram fazer várias coisas e ouviram muito de mim a este respeito.

Meus braços estão abertos para as outras filas de dez anos que virão à frente. Não vou parar.

Hoje é 1º de Março de 2013 e eu não sou veterinário há dez anos.

Confissão

Vim aqui confessar.

Meu ano de 1993 foi um dos piores que já vivi no meu percurso de quase 36 anos de vida. Neste ano, quando estava com 16 anos na beira para os 17, o militarismo ao qual fui doutrinado no seio de minha família, liderado por uma pai que só faltava vestir uma farda para “educar” os filhos, chegou a um dos seu picos.

Em prol de me colocar na linha para viver uma vida que não era a minha e ser uma réplica perfeita de um fodido, meu pai cerceou todos os meus prazeres da adolescência, transformando minha vida numa prisão domiciliar em regime semi-aberto.

Neste ano de 1993 fui proibido de ver minha namorada. Fui impedido também de continuar a tocar com minha banda cover dos Beatles, minha primeira banda. Minha rotina consistia em voltar do GPI para a prisão em no máximo 1 hora e ficar trancado no quarto, sem poder ler nada que não fossem apostilas. Nada de TV, filmes, revistas, quadrinhos, violão, discos, telefonemas.. nada. Foram muitos meses assim. Ao mostrar as notas de testes e simulados, eu ouvia palavras humilhantes que não valem ser repetidas. Daí rapidamente voltava para o xilindró.

Todos sabem que quanto mais preso um animal fica, mais demoníaco ele se torna. Perdi minha domesticação completamente e me tornei um catiço. Marcelle, minha amiga de 3º ano do Colégio GPI, durante nosso Mega Encontro de turma no sábado dia 26, perguntou pertinentemente à Bárbara se ela já havia me conhecido domesticado. Era por aí o papo.

Muitos amigos sofreram com minha falta de domesticação. Eu descontava minha raiva da vida em alguns com patadas e xingamentos. Caminho natural de quem vive apaticamente repetindo, como um macaco de circo, o que lhe foi ensinado.

No início de 1993 eu me matriculei no Colégio GPI, unidade Madureira. Este momento foi o começo da ruína de uma vida que eu já julgava arruinada. Por sorte estive amparado, em perfeito equilíbrio, pelo outro lado da balança: minhas amizades. E foi aí que meus amigos do GPI entraram na estória. É por isso que estou escrevendo isso tudo.

Eles não sabem que foram os responsáveis por eu ter sobrevivido a este ano. Foram ótimos todos os “compactos de história e geografia” e os projetos de “arrancada final” e todas as aulas à tarde e aulas dominicais. As idas ao Tem Tudo de Madureira e as caminhadas até o GPI de Cascadura. Eu pedia para meu carrasco pagar todos esse extras, com a desculpa de que eram necessários à minha vitória na vida: o vestibular. Cada cheque entregue na secretaria representava um passaporte para uma liberdade muito particular.

Apesar de estudar, obviamente eu não frequentava os extras com este fim, mas para ficar junto dos meus amigos. E os momentos foram memoráveis, sem preço, indescritíveis com palavras. Eu me deslocava a Madureira com imenso prazer.

O resultado disto? Estou vivo. Meus amigos do GPI, foram imensos colaboradores para que eu conseguisse chegar a este ponto de sobrevivência à minha própria família.

Os encontros sucessivos de nossa turma, neste ano de fim de mundo de 2012, só vieram confirmar o quanto eles são especiais. Ninguém me julgou ou veio tirar alguma forra, no que estariam cobertos de razão. Todos me aceitaram e recordamos apenas dos bons momentos. Já senti uma imensa vontade de me desculpar às pessoas que mais sofreram meus ataques. Mas deixei de lado. A imensidade do carinho com que me receberam dissolveu esta vontade, que mais traria más recordações que a redenção.

O Mega Encontro da turma foi ontem. Acordei hoje com isso tudo na cabeça. Sei que faltam pessoas importantes nesta mensagem, mas está valendo. Carrego todos no coração. Cada pessoa presente ou ausente no encontro carrega um pouco da minha salvação.

Por que estou escrevendo isso?

Como dizia Miranda: “Porque estou a fim!”

Stay on these roads. We shall meet, I know.

Amo vocês.

Tired of people

I’m moving out of Tombstone, with the sun behind my back. I’m tired of people talking of things that I lack.

Ever since a week ago, the day he passed away I’ve been taking too much notice of the things they’ve had to say.

And all they say is “You ain’t half the man he used to be. He had strength and he worked his life to feed his family.”

So if that’s the way it has to be, I’ll say goodbye to you. I’m not the guy, or so it seems, to fill my old man’s shoes.

Like I’m a wicked way of life, the kind that should be tamed.
They’d like to see me locked in jail and tied up in their chains.
Oh, it’s hard and I can’t see what they want me to do Lord, Lord!

They seem to think I should step into the old man’s shoes.